domingo, 11 de julho de 2010

Tribos da bola

Uma bola como "arma" de guerra
Éramos miúdos. Miúdos de Paz que guerreavam com uma bola.
O objectivo era apenas um: ganhar aos outros.
Os "outros"...!? Os outros eram os que estavam ao alcance de um jogo de futebol. Bairros. Grupos que eram tidos como mais fortes ou que ouviam falar de nós e tinham o mesmo objectivo: ganhar aos outros.
Naquele tempo, na periferia de Lisboa havia os bairros clandestinos e tantas vezes de má fama.
Havia um em particular, o da Pedreira dos Húngaros, entre Linda-a-Velha, Miraflores e Algés.
Na escola preparatória fazíamos os acertos e depois, aos fins-de-semana, resolvíamos a questão: 11 contra 11 em campo e... vamos a eles!
Éramos miúdos, de facto e não percebíamos bem aquele clima de terror. Às vezes parecia mesmo de raiva e de agressividade. Chegava a ser hostil o ambiente em torno de um jogo. Tudo podia servir de razão para se promover uma luta entre jogadores ou "adeptos".
Os bairros deram lugar a guetos e acabaram demolidos
Mas havia a causa que estava por detrás da reunião que nos concentrava e que era o jogo e para o jogo, claro, havia regras: as regras da palavra e da honra que se apoiavam nessa nuvem que fazia prevalecer a dita Paz. Pior do que tudo o resto, era não haver jogo, não haver um vencedor!
Desde muito cedo aprendi a lidar com o comportamento das pessoas e enquanto pacificador a fazer ponderar entre as consequências: se houvesse luta, não havia jogo, se não houvesse jogo... não havia bola, se não houvesse árbitro... também não havia jogo... e tudo andava em torno do mesmo.
Também eles não passavam de miúdos
Hoje já não somos miúdos e também já não há miúdos como naqueles tempos!
Eram tempos em que se percebia a diferença entre estar vivo e sobreviver. Entre ganhar um jogo e gozar desse estatuto até que se fizesse novo jogo e vencer uma luta sem que os festejos implicassem consequências.
Hoje, ao olhar para trás e ao perceber aqueles grupos de equipas que representavam os bairros "marginais" da Capital e que a nós, miúdos de então, de bairros mais sossegados, até intimidavam mas que nos enchiam de adrenalina e vontade de desafiar e até de jogar "em casa" deles, hoje, sei que afinal, também eles, não passavam de miúdos como nós. Hoje sei que também eles tinham medo e por isso eram agressivos.
Viveram sempre em comunidade
Hoje sei que na verdade eles viviam em comunidade. Mais, eles sabiam viver em comunidade. Sabiam que só assim estavam protegidos. Um bairro era uma família. Quanto mais forte fosse essa família, mais longe estariam os possíveis agressores.
Por isso mesmo, às vezes, eles preferiam deitar a perder um jogo a favor de uma boa luta pois só assim, mantinham viva a ideia de força, de intimidação e de controle que tanto faziam questão de poder manter. Éramos miúdos. Nós ... e eles!


quinta-feira, 8 de julho de 2010

Palavras que duram uma vida

Tive oportunidade de aqui nesta página ter comentado e agradecido as palavras do João Carlos Vale com quem trabalhei esta época desportiva. Na altura achei que bastava linkar para a página dele mas entretanto resolvi juntar à minha página as palavras que ele mesmo gravou...
Um abraço João!
Obrigado!

João Carlos Vale
"Época muito complicada a que se viveu no Balsa Nova. Inicio tardio da pré-época (cerca de dez dias antes do primeiro jogo oficial). Incertezas quanto a atletas. Atletas com pouca e até nenhuma experiência em futsal, nomeadamente no futsal ao nível dos campeonatos nacionais. Como ridículo posso citar o 1º jogo para o campeonato que foi (des)orientado por mim. Descemos, é verdade. Mas conseguir uma vitória e um empate no Campeonato foi pouco menos que um milagre. Uma vitória por 8-4, frente ao Alfarelense e um empate a 5 golos frente ao Futsal Cidade de Lourosa (equipa do ex-boavisteiro Martelinho), com o golo do empate a ser consentido a 4 décimos de segundo do fim.

(…) Dos Treinadores

Mister Emílio Silva – Que me desculpem todos os outros treinadores com quem já trabalhei e onde se inclui o actual seleccionador do Catar, mas o Emílio foi simplesmente o melhor e a uma enorme distância de todos os outros. Da minha parte lamento a escassez de recursos materiais e físicos que me impediram de lhe dar o apoio de que tantas vezes necessitou. Dificilmente voltarei a trabalhar com ele (o que lamento), mas estou certo que dentro de muito pouco tempo, o verei a orientar equipas de campeonatos superiores à 3ª divisão nacional. Muitas vezes foi o único que acreditou no valor da equipa e naquilo que ela podia fazer. Foi um autêntico D. Quixote ao lutar contra gigantes na defesa da sua Dulcinea (leia-se equipa). Sempre pronto para apoiar os seus atletas/homens nos seus momentos de dificuldade. Mais do que um treinador foi um professor e um amigo.

Mister João Ramos – Excelente treinador de guarda-redes e cúmplice do Emílio. Amigo de todos os jogadores sem excepção, inovava a cada treino que ministrava, evitando assim a monotonia e rotina nos treinos. Fiel “escudeiro” do mister Emílio, apoiando-o em todas as decisões. Se o mister Emílio foi um autêntico D. Quixote, o João Ramos foi o Sancho Pança. Atenção, isto não é nenhuma piada ao facto de ele ser (sermos) elegantemente bem nutridos.
(...)"