O objectivo era apenas um: ganhar aos outros.
Os "outros"...!? Os outros eram os que estavam ao alcance de um jogo de futebol. Bairros. Grupos que eram tidos como mais fortes ou que ouviam falar de nós e tinham o mesmo objectivo: ganhar aos outros.
Naquele tempo, na periferia de Lisboa havia os bairros clandestinos e tantas vezes de má fama.
Havia um em particular, o da Pedreira dos Húngaros, entre Linda-a-Velha, Miraflores e Algés.
Na escola preparatória fazíamos os acertos e depois, aos fins-de-semana, resolvíamos a questão: 11 contra 11 em campo e... vamos a eles!
Éramos miúdos, de facto e não percebíamos bem aquele clima de terror. Às vezes parecia mesmo de raiva e de agressividade. Chegava a ser hostil o ambiente em torno de um jogo. Tudo podia servir de razão para se promover uma luta entre jogadores ou "adeptos".
Os bairros deram lugar a guetos e acabaram demolidos |
Desde muito cedo aprendi a lidar com o comportamento das pessoas e enquanto pacificador a fazer ponderar entre as consequências: se houvesse luta, não havia jogo, se não houvesse jogo... não havia bola, se não houvesse árbitro... também não havia jogo... e tudo andava em torno do mesmo.
Eram tempos em que se percebia a diferença entre estar vivo e sobreviver. Entre ganhar um jogo e gozar desse estatuto até que se fizesse novo jogo e vencer uma luta sem que os festejos implicassem consequências.
Hoje, ao olhar para trás e ao perceber aqueles grupos de equipas que representavam os bairros "marginais" da Capital e que a nós, miúdos de então, de bairros mais sossegados, até intimidavam mas que nos enchiam de adrenalina e vontade de desafiar e até de jogar "em casa" deles, hoje, sei que afinal, também eles, não passavam de miúdos como nós. Hoje sei que também eles tinham medo e por isso eram agressivos.
Por isso mesmo, às vezes, eles preferiam deitar a perder um jogo a favor de uma boa luta pois só assim, mantinham viva a ideia de força, de intimidação e de controle que tanto faziam questão de poder manter. Éramos miúdos. Nós ... e eles!