segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

UM YIURI DESCIDO DO CÉU

Surgiu do nada e foi como... como uma pancada forte no coração, um KO de nostalgia, talvez, não sei...!?
É sabido por todos quanto me rodeiam como e quanto amava o meu menino, o Yiuri.
A morte dele... a nossa separação... foi muito dura para mim e ainda me dói imenso...
Fez 2 anos que partiu agora, no final de Novembro, e fui levar um ramo de girassóis à campa dele.
Foi estranho. Esta última visita foi estranha, foi como se ele... estivesse mais distante ou não estivesse ali.
...

O Yiuri
O do anúncio
Hoje. Hoje recebi um e-mail no sítio da internet onde mantenho um anúncio em como ainda procuro o Yankie, desaparecido em Fevereiro de 2012, precisamente no dia 10, faz hoje, dez meses.
A mensagem que recebi dizia apenas "p. favor veja o anúncio 25663", numa sugestão, mais uma, que me orientasse para o Yankie.

Sem saber o que me esperava, cliquei no link e de imediato... de imediato as palavras secaram e deixaram de querer sair. O coração acelerou e nos meus olhos... nos meus olhos as lágrimas começaram a borbulhar como pipocas contidas num tacho que fá-las estalar e saltar como se quisessem dali sair.

Insisti. Vi outra fotografia e... era impossível!!
Os meus olhos estavam a mostrar-me algo... apenas... impossível! Desejável, sim, mas... (só me ocorre isto para dizer) impossível!...

A segunda foto, como que uma certidão de nascimento, mostrava exactamente o oposto daquilo que me dizia a racionalidade e... e seria... possível o que exibiam??

Segui o link do anúncio 25663 atrás do Yankie e... e encontrei... o Yiuri?!?!?!?!?
É que é ele!!
Talvez por isso a estranha sensação de que ele não estava quando visitei a campa, no dia 27 de Novembro, porque... na verdade ele encontrou uma forma de voltar para mim e, logo, uma forma de eu poder chegar até ele!! É uma sensação incrível esta!  O coração e a razão estão a esgrimir argumentos e contra-argumentos, mas... como se explica esta... necessidade de aceitar que não posso ficar indiferente?

O Yiuri
No anúncio dizem que é muito dócil e fazem destaque para a mancha branca que ele tem entre a cabeça e o dorso... É... incrível apenas!!, mas... é o Yiuri!! Quase me apetece dizer "Meu Deus, é o Yiuri!?"

O do anúncio
Já contactei com as pessoas que o mantêm e espero poder ficar com ele! Não há forma de explicar isto e nem venham com essa história de que os huskys são todos iguais! Não são! E mais-a-mais eu reconheceria o Yiuri... em qualquer lado! Esperava por este encontro... no Céu, mas... ele veio até mim!!!

Estou ansioso por estar junto dele. De vê-lo de perto, de sentir a química que vai surgir entre nós, porque vai, tenho a certeza!!
O Yiuri... ou o do anúncio??
Sempre achei que merecia ter tido mais um minuto, que fosse, para me despedir dele. Mais um minuto, que fosse... para absorver o cheiro dele e voltar a dizer-lhe como e quanto gostava tanto dele!! O carácter que ele tinha, a personalidade vincada e as histórias, as tantas histórias que escrevemos juntos, afinal, vão poder continuar??

Em Outubro de 2011 eu escrevi isto na minha página do facebook:
"Hoje faz 11 meses... EU QUERIA... Trazer-te do céu... e passar um dia mais contigo, daqueles que passávamos, na praia, só mais uma vez... uma última vez! Dar-te o último mas muito forte abraço... um último beijo... aspirar o teu cheiro... dizer-te "adeus cão-do-dono" e deixar-te perceber o quanto me fazes falta... ver a tua expressão no olhar e ouvir o teu desafinado latir novamente. Ter oportunidade de dizer uma vez mais "este cão é muito lindo! É o cão-do-dono!", que te enchia de vaidade...! ♥♥♥" e agora... terei de novo uma oportunidade para fazer tudo isso que ficou pendente...!?!

Deve ter havido algum engano a meu favor, lá, no Céu dos Melhores Amigos e de alguma forma saí beneficiado com o equívoco. Seja como for... Obrigado!


terça-feira, 20 de novembro de 2012

KIMBA O BICHO-PAPÃO

"... já seguro de que mal nenhum aconteceria por estar junto de mim ..."

Uma das histórias que guardo e até recordo com um sorriso quando penso no Yiuri é a do Kimba, um cão da raça malamute que o assustava como a uma criança a quem se anuncia a chegada do "bicho-papão" quando não quer comer a sopa ou se recusa ir para a cama.
Com o Yiuri era a mesma coisa: quando ele andava solto a fazer o "passeio higiénico" e nunca mais se decidia entrar em casa ou fazia "ouvidos de mercador" quando o chamava, bastava que a seguir eu acrescentasse "olha o Kimba", ou "o Kimba vem aí!", que ele, rapidamente, se apressava a entrar e ficava depois, a olhar pelo vidro à espera de ver o Kimba do lado de fora.
É claro que a maior parte das vezes não havia Kimba nenhum por perto, tal como o bicho-papão, que também não existe!

Tudo isto começou porque os dois cruzavam-se algumas vezes na rua.
O Kimba, como malamute macho era um cão corpulento e... enoooorme (!!!) quando comparado com o Yiuri, um husky de médio porte.

A maior parte das vezes limitavam-se a cheirar um ao outro e sem que qualquer deles desse parte fraca, lá se afastavam, com o pêlo eriçado e com a vaidade que os caracterizava, intocável. Mas lá terá havido um dia em que o inevitável confronto, qual medição de forças e prova de machismo pela defesa do território, aconteceu e, inevitavelmente, o Kimba saiu por cima.
 Depois disso passou a ser mais difícil controlar os dois porque um estava certo de que era o mais forte e o outro, apesar de tudo, queria estar à altura de um dia ter a sorte de sair por cima, o que nunca aconteceu nas duas ou três vezes em que mediram forças.

O Yiuri fugia do bicho-papão
O que é certo é que o Yiuri sempre foi de perceber rápida e facilmente as coisas e sabendo disso também eu fui capaz de tirar partido dessa situação e então, sempre que ele estava na rua e não se mostrava muito interessado em regressar, aproximava-me da porta de entrada, abria-a e juntava: "vamos embora Yiuri, vem aí o Kimba!" Ele, de cabeça levantada e a espreitar entre os carros estacionados, vinha então para casa com um passo mais acelerado e, só depois de entrar, já seguro de que mal nenhum aconteceria (por estar junto de mim), fixava-se na porta a espreitar de onde e quando surgiria o terrível Kimba!
Mesmo depois de o Kimba ter morrido ele continuava a reagir ao estímulo e dizendo eu "Yiuri, olha o Kimba!" ele agia sempre de modo a chegar-se mais perto de mim para que eu sim, o protegesse de qualquer mal.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

DE CARA AMARRADA

Hoje ouvi alguém dizer: "se o recibo a mim não fizer falta, nem o peço! Antes prefiro ser roubado pelo outro que, como eu, está a trabalhar do que por esses Relvas e Gaspares".

Não é grave.
Aliás, não é rigorosamente nada grave o que este senhor dizia, porque como ele, estamos todos nós, que trabalhamos, que fazemos planos e projectos para uma vida e que depois, por uma qualquer crise ou nova lei, acabamos roubados por um Governo que apenas e só governa os próprios interesses.

Desde que teve inicio esta tão badalada crise que a todos tem vindo a afectar, em 2008, diz-se que a chamada "economia paralela" terá crescido em 3%. Quatro anos depois e com tantas tomadas de posição carregadas de austeridade, com um novo Orçamento de Estado aprovado apenas e só por cobardes e vira-casacas [como são neste momento os militantes do CDS-PP que hoje estão na coligação que faz maioria no Governo, mas que amanhã, quando mudar a direcção do sol e do vento, já estarão em guerra com o mesmo PSD liderado por Passos Coelho], e com o país mesmo à beira de... um ataque de nervos, quem, podendo, é que vai evitar essa economia paralela se esta for a única via de continuar a haver algum dinheiro no bolso? Claro que vamos assistir a uma escalada nessa economia paralela!

Mais, se por "economia paralela" se define a actividade dos cafés e restaurantes, cabeleireiros e oficinas a quem por um qualquer pagamento se deve exigir uma factura/recibo - provavelmente porque a estes será mais fácil controlar e inspeccionar para depois penalizar -, então... penso para mim... e essa economia paralela que envolve milhões de euros e que nunca são inspeccionados nem fiscalizados porque são "geridos" por governantes a quem se desconhecem quaisquer provas dadas no mundo profissional e, no entanto, lhes é confiada a missão de gerir o nosso dinheiro, o nosso património e, agora, até os nossos sonhos? Quem, afinal, é que vai esclarecer e penalizar (e como?) um tal de Paulo Portas que comprou submarinos com o meu dinheiro e o dinheiro dos meus vizinhos e amigos? Quem, afinal, vai intimar o senhor Passos Coelho a responder perante os portugueses quando ele mesmo em pleno Parlamento defendeu que o Orçamento tinha de ser aprovado e que depois se fariam as devidas alterações. Então... o comportamento deste Primeiro-dos-inergúmenos-ministros indicia apenas que nem ele acredita no Orçamento que apresentou para 2013, certo? Posto isto, retomo: e quem fiscaliza? E quem penaliza? Pois... Pois é.

Acredito que a minha revolta não estará como a verdade política a que temos assistido na última década e que assim, não morrerá sozinha, nem solteira.

Acredito que tal como o deputado madeirense Rui Barreto (um desconhecido, no fundo) que a par de toda a oposição ao Governo foi o único com tomates para violar a disciplina de voto do partido que representa (o CDS-PP) e assim desrespeitar o acordo de coligação PSD/CDS-PP, que obriga os dois partidos a votar solidariamente os Orçamentos do Estado, e votou contra, acredito, dizia eu, que tal como este homem fez, também a população, os meus vizinhos, os meus amigos, os meus conhecidos na papelaria ou no café, os meus colegas de trabalho, o meu médico, o meu dentista... enfim, todos nós, também vamos acabar por dar um murro na mesa, gritar bem alto BASTA!!! e sair à rua, pegar em armas, derrubar este governo e qualquer outro governo de aldrabões e de ladrões.

Até quando vamos andar de cara amarrada e a pisar torto porque todos esses nossos governantes não passam de nossos desafectos?

Notícia da Agência Lusa (31-10-2012):
[natural destaque para a reacção do todo-poderoso e "machão" Paulo Portas]
"Dentro do CDS-PP, tem havido várias vozes críticas da proposta de Orçamento para 2013, sendo José Manuel Rodrigues a mais destacada.
A meio deste mês, este dirigente centrista, que recentemente suspendeu o seu lugar de deputado e foi substituído por Rui Barreto, defendeu que, se a proposta de Orçamento não fosse alterada, o seu partido deveria chumbá-la e assumir a abertura de uma crise política.
No domingo passado, José Manuel Rodrigues anunciou que o deputado Rui Barreto tinha indicação do CDS-PP da Madeira para votar contra a proposta do Governo e, na mesma ocasião, anunciou a sua demissão do cargo de vice-presidente da Comissão Política Nacional do CDS-PP.
O presidente do CDS-PP, Paulo Portas, afirmou hoje aos jornalistas, no parlamento, que os estatutos do partido preveem que haja "consequências" para quem desrespeitar a disciplina de voto em relação ao Orçamento do Estado.
Paulo Portas sublinhou que os estatutos do CDS-PP estabelecem "que a responsabilidade pelo sentido de voto num Orçamento do Estado que é nacional é uma responsabilidade da direção nacional do partido".
Até hoje, a única reação oficial do CDS-PP sobre este assunto tinha vindo da direção da bancada centrista que, em comunicado, admitiu a abertura de um procedimento disciplinar aos deputados que desrespeitassem o sentido de voto do partido".

- de cara amarrada: amuados
- a pisar torto: a coxear
- nossos desafectos: nossos inimigos

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

REPORTAGENS DO PASSADO: TRILHO PARA A FELICIDADE

 "Trilho para a Felicidade" foi uma entrevista que publiquei em 2002, quando voltava a falar-se da sempre polémica abordagem sobre o casamento de padres católicos. O meu entrevistado de então, Justino Santos, contou na primeira pessoa a "batalha" de amor que travou entre a Igreja e a condição de homem. De como, na condição de homem, se viu diante de um casamento em que ficou sozinho com dois filhos. Da inseminação artificial que "trouxe" os gémeos que resultaram do segundo casamento e... da Fé que nunca perdeu, apesar das provas a que a vida o sujeitou...

Trilho para a felicidade

Ordenado padre católico em 1962, com 23 anos de idade, Justino Santos optou por deixar a igreja três anos mais tarde por amor a uma mulher com quem veio a casar.
Quarenta anos depois, o antigo sacerdote olha o passado e, na primeira pessoa, sem esconder as lágrimas, falou desses tempos, do casamento que acabou por se desfazer, do presente e de como manteve sempre a Fé, num percurso que o leva a assumir que hoje “sou feliz”.
in geraçãoCIC - 05/2002

Logo aos 10 anos de idade Justino Santos entrou para o Seminário de Ermesinde onde iniciou a caminhada que o conduziu ao sacerdócio. Mais tarde, ainda menino, o gondomarense fez passagens por outras casas religiosas (Trancoso, Vilar e Sé), e assume que enquanto seminarista “fui sempre um aluno normal e terminei o curso de teologia com media de 14 valores”.
Recorda ter sido sempre muito alegre, bom ginasta (jogou hóquei em patins, voleibol, ping-pong, basquetebol, andebol, futebol) e muito variado também no uso de instrumentos musicais.
“Durante as minhas férias procurei sempre ajudar o meu pároco”, porque “queria ser padre desde pequenino”, como revelou, mas, quando aos 14 anos, como logicamente acontece, sentiu a tendência para o casamento e para a paixão amorosa “tentei evitar as consequências dessa paixão”.
No segundo ano de teologia, nas férias grandes saiu do seminário porque achava que não devia continuar e foi por pressão da família e do pároco que acabou por regressar. Quando em 1962 Justino Santos foi ordenado sacerdote católico no Seminário Maior do Porto, fê-lo, como conta, com a intenção de um dia quando os padres pudessem casar, “eu poder casar”.
Como padre, celebrou missa na Igreja dos Grilos e, depois, foi colocado como coadjutor na Senhora da Conceição, no Marquês, corria o mês de Agosto de 1962.
Tudo isto se passava “naqueles anos em que se falou muito no Cons. Vaticano II e na possibilidade de os padres se casarem”, adiantou por forma a justificar a segunda intenção aquando da ordenação.
O que é certo é que na Igreja da Senhora da Conceição, com todo o movimento, toda a acção que ali desenvolveu ligada aos jovens, à musica, aos colégios, ao Hospital de Santa Maria..., a certa altura “eu já não aguentava mais e pedi ao Bispo para sair do Marquês” porque em termos humanos e pessoais “já não aguentava ali continuar, tal era a pressão de querer exercer e ser padre com todas as letras: vertical, sincero, verdadeiro naquilo que dizia e acreditava e estava na iminência de o não ser”, confessou.
Em 1964 foi para Arouca para pároco de duas freguesias (Canelas e Espiunca) onde exerceu o sacerdócio durante cerca de um ano “para além dessas paróquias era também o pregador e confessor das paróquias vizinhas”.
“Cheguei a chorar depois de ver a realidade do que ia enfrentar” e a única forma que encontrou de amarfanhar “todas as tentações e problemas de consciência que sentia dentro de mim, foi envolver-me numa serie de acções: abri uma rua a ligar as duas freguesias, criei um posto medico com medicamentos que ia buscar à BIAL, no Porto, levei o delegado de saúde à povoação que não tinha médico, dava o pequeno almoço às crianças, ia a Caritas buscar leite, arranjei panelas para a cozinha, fiz um centro de convívio... tinha uma actividade de louco autêntico para me amarfanhar dos sentimentos que sentia porque gostava imenso de ser padre. A minha paixão era essa e procurei tudo para continuar”.
No ano de 1965 Justino Santos voltou a falar ao Bispo (D. Florentino Silva) e disse-lhe que não podia continuar a exercer as funções de padre porque estava apaixonado por uma rapariga, que estava a ser verdadeiro e não queria continuar a ser mentiroso por dizer uma coisa e praticar outra.
“D. Florentino quis que eu renovasse os meus votos, mandou o Bispo auxiliar falar comigo, também o Pe. Orlando da igreja de Cedofeita e outros padres mas eu não conseguia e pedi mesmo ao Bispo para abandonar”.


Raptado à porta de casa


Na manhã seguinte à conversa com o Bispo, a 15 de Janeiro de 1965 Justino Santos deixou Arouca e regressou ao Porto.
“Quando cheguei tinha à minha espera a Secção de Justiça da PSP que se identificou e já não me deixou entrar em casa da minha família e me levou, me raptou, metendo-me dentro de um táxi e levando-me para a Casa de Saúde São João de Deus, em Barcelos para ver se conseguiam demover-me”.
Ao saber do desaparecimento, a família procurou os serviços de Artur Santos Silva (pai), um conhecido advogado da cidade e membro da oposição que acabou por denunciar o desaparecimento e a conivência entre a Igreja e a PSP à Policia Judiciaria (PJ).
Uma vez libertado sob a versão de que precisaria descansar, por isso o ‘retiro’, Justino Santos volta para casa e a 20 de Fevereiro desse mesmo ano, casa pelo Registo.
“Não contentes com o rapto, que foi considerado pela PJ como crime público e que eu acabei por mandar abafar e resolvi esquecer, porque isso não era obra da Igreja mas sim dos homens que cometem erros e cometem falhas, e porque eu mantinha a minha fé, um ano depois mandaram-me para a tropa”.
Destacado para Mafra, voltou ao Bispo a quem solicitou autorização para casar católicamente visto já não estar abrangido pela Concordata e, como argumento de suporte, a colocação como militar civil no curso de oficiais em vez de capelão.
“O que é certo é que fui para Mafra e ao fim do primeiro ciclo, em que fui o melhor classificado do pelotão, e por isso teria oportunidade de escolher o que queria, também não me deixaram e mandaram-me para atirador”.
No segundo ciclo apresentou-se ao director da instrução a quem explicou que conhecia as razões para fazerem dele atirador “querem mandar-me para o Ultramar como forma de castigo e para tentarem que eu arrepie caminho e volte a ser padre”. E continuou “eu não volto e já estou casado e esperamos um bebé pelo que não há qualquer possibilidade de voltar a ser padre. Tenho fé mas não me demovem de ser homem e respeitar os compromissos que assumi”.
Sob a ameaça de ser reduzido a soldado, enfrentou a intimação: “matem-me, mandem-me para a cadeia, façam o que quiserem mas eu não vou para o Ultramar”.
De resultados como primeiro classificado conta que começou a ser o último e que foi então que o alferes do pelotão em que se integrava, Terra Quente, “como homem e como amigo, me disse que compreendia a minha situação e que sabia que se eu tivesse boa classificação podia não ir para o Ultramar pois a chamada dos oficiais começaria do fim para os principio”.
Porque sentiu que estava mãos dele decidir a sorte que viria a ter, “fiz de mim gato sapato, dei cabo do meu corpo mas não dei cabo do meu espirito”. No final do segundo ciclo, entre 600 homens, Justino Santos era o segundo classificado. “Fui escolhido em primeiro lugar para ir para a Forca Aérea, fui para a BA 3 em Tancos e por isso não fui como alferes, nem como capitão para o Ultramar”.
No final dos 27 meses de tropa, também com dois louvores, foi convidado a ir para a NATO, no Luxemburgo,  mas também não foi “e vim embora com dispensa do Secretario de Estado sem ter o castigo que alguns queriam que era ter ido para o Ultramar e ter morrido no Ultramar”.


“...por isso sou feliz”


Porque continuou sempre a acreditar e manter a fé que tinha, um movimento por parte de amigos tentou junto do Bispo que este compreendesse a situação e permitisse o casamento catolicamente, o que aconteceu a 7 de Dezembro de 1968, “foi o próprio secretario do Bispo que me veio casar na Igreja de Cedofeita”.
Teve dois filhos desse casamento, trabalhou em várias áreas, foi vereador na Câmara Municipal do Porto durante quatro anos e está como presidente de uma junta de freguesia desde 1994, há três mandatos.
A esposa, tal como Justino Santos, licenciada em filosofia, em 1992, quis ir para o Brasil para fazer o doutoramento e... não voltou  “fiquei com os dois filhos aqui. Fiz de pai e de mãe, fiz de tudo...!”
“Ao fim de quatro anos achei que era impossível continuar numa situação daquelas; ela queria só dedicar-se ao Ensino e não queria vir para Portugal, achava que a obrigação de ser mãe e esposa era menos importante do que o Ensino e a Filosofia. Por isso divorciei-me em 1996”.
Voltou a casar, como diz “com uma mulher maravilhosa, boa esposa e, sobretudo, boa mãe, da qual tenho dois filhos, gémeos, com quase quatro anos, bonitos e que Deus me deu também, por isso sou feliz”.
Visivelmente emocionado e sem esconder as lágrimas que começaram a fugir pelas órbitas dos olhos, contou como tem sentido sempre a presença de Deus a cada dia.
“Em 1996 fui operado a um cancro, quando minha mulher esteve para ter os bebés houve ameaça de perder os filhos mas, cá estou..., cá estou..., cá estou..., acreditando em Deus, acreditando na Virgem Maria que me deu estes dois filhos que resultaram de implantação artificial porque a minha mulher não podia ter filhos e por isso sofremos muito durante esses nove meses, numa altura em que se debatia a questão do aborto”.
Depois do divórcio, dadas as circunstâncias de ter sido a mulher a querer deixar a família, ainda está a tentar revogar o primeiro casamento de forma a poder voltar a casar pela igreja.
Por todo o ‘pesadelo’ que vivera por altura em que se ‘demitiu’ de funções, não chega a culpar o Bispo, e, a ter sido vitima de alguma vingança pessoal, aponta o pároco da igreja da Conceição "a quem depois desculpei. O Bispo, de certa forma aceitou que me fizessem isso pois em contrário teria tomado uma posição, mas a igreja somos todos nós e também tive padres e amigos que me acompanharam naqueles momentos dramáticos da minha vida”.
Ainda que por estranhos caminhos, Justino Santos manteve sempre a fé em Deus e mesmo nos momentos mais difíceis acreditou “sempre! Deus esteve sempre comigo! Já estive para morrer e houve uma noite em que estive completamente cego e fui parar ao hospital mas até aí encontrei Deus nos outros a ajudarem-me a compreender”.
  

Igreja dotada para o futuro


Se efectivamente os padres pudessem casar “eu tinha-me ordenado e continuado como padre” mas como ainda hoje essa continua a ser uma etapa distante, Justino Santos encara a posição enquanto presidente de uma junta de freguesia com o mesmo sentido de fazer a ponte entre o humano e o divino ou, no caso, “entre as carências, os problemas das pessoas e aquilo que elas têm: o problema da habitação, o desemprego, a toxicodependência, os arrumadores..., gente que sofre e que em pleno século XXI vive, às vezes, sem a dignidade que a criatura humana tem direito e vamos aqui procurando, com falhas, resolver os problemas dessas pessoas”, disse.
Hoje são milhares os padres que deixaram de exercer funções, uns estão casados pela igreja, outros não e até há associações que defendem o casamento dos padres, afinal, como lembrou, “excepto São João, todos os Apóstolos eram casados e foi a um desses, Pedro, que Cristo entregou a Sua Igreja”.
“Não quero com isto dizer que seja obrigatório o casamento, agora, deve ser dada a liberdade de o fazerem”.
O ex-padre pode eventualmente fundamentar “liberdade de o fazerem” se levado em linha de conta que é cada vez mais comum encontrar padres que desempenham funções como médicos, advogados, engenheiros, professores, deputados, autarcas, presidentes de câmara e tantas outras profissões e, se podem ser tudo, se há liberdade para tudo, “porque razão não podem estar casados?”, questiona por fim.
Sem perder tempo, avançou de imediato para uma explicação à própria questão “evidentemente que dizem que têm de estar libertos de responsabilidades familiares para se dedicarem à Igreja mas a verdade é que os padres de hoje estão ligados a diversas actividades sem estarem apenas ao serviço do apostolado e podem fazê-lo, igualmente, estando casados ou não”.
De forma a viabilizar maior alcance para o que afirmava explicou que no Oriente os padres são Ortodoxos e obedecem a Roma tal como “aqueles padres que se convertem ao catolicismo mas que vêm de outras igrejas, são casados e continuam casados”.
Quanto à polémica questão que defende o direito a que as mulheres possam exercer o sacerdotalismo Justino Santos volta a ser claro ao afirmar que não vê razão para que a mulher não possa ser sacerdotisa e também aqui fundamenta “acho que a primeira sacerdotisa foi Maria. Nossa Senhora transportou em si o Humano e o Divino e foi Ela que na boda de Canadis disse Façam o que Ele vos diz, depois de dizer a Cristo que eles não tinham vinho”.
Realmente, qualquer praticante da Igreja diz no Evangelho, nas orações: Maria Sacerdotisa e por isso mesmo Justino Santos critica que quando se afirma que Cristo não escolheu mulheres para apostolas, “temos de nos reportar àquele tempo”, pois a verdade “é que junto Dele, na Cruz, estava Maria, estava Madalena, estava Marta”, como citou antes de continuar “Ele não foi contra a mulher e se Cristo viesse hoje talvez também fosse buscar mulheres sacerdotisas e nem andaria de sandálias...!”, tudo porque, de facto, “os tempos são outros”.
Por tudo isto, Justino Santos é de opinião que a figura do padre tem de ser alguém do nosso tempo e dotado para o futuro, alguém que compreenda os jovens, os idosos, as outras religiões, que seja vertical. Tem de ser alguém que em todos os momentos da sua vida seja mensageiro da Boa Nova e que lute pela justiça social, independentemente de ser homem ou mulher.


terça-feira, 17 de julho de 2012

INCONDICIONALMENTE


O texto que se segue encontrei-o, por aí...
Fiz uns arranjos à pontuação e à linguagem e optei por responder às palavras que talvez pudessem ter sido escritas por qualquer um dos meus meninos, pelo Yiuri, quem sabe...?!

Yiuri com 2 meses [1997]
CARTA DE UM CÃOZINHO PARA UM SER HUMANO

Se eu soubesse falar... quantas palavras bonitas te diria.
Os teus passos são música para mim! Ouvir a tua voz... é a minha maior felicidade.

Quando sinto a tua tristeza tento fazer-te sorrir... se vejo que estás alegre, como isso me faz mais feliz!

O teu olhar é um raio de luz que me ilumina. 
As tuas mãos no meu pêlo têm a leveza da Paz. 
E quando tu sais tudo fica vazio para mim.

Eu nunca te peço coisas... como deixares-me bonito, bons alimentos, levares-me ao veterinário, ou uma coleira bonita. Nem isso, nem coisa alguma.

Se tu não podes dar-me uma casinha, não faz mal, conformo-me com um trapinho no chão. 
Nunca irei embora e sempre te protegerei... 
Eu... só preciso de um carinho de vez em quando, e um pouquinho de comida... o demais dás apenas se for de tua vontade.

E quando eu estiver velho, lembra-te que te dei os meus melhores anos, não me deixes na rua... 
E se te causei algum dano, peço-te perdão com esta lágrima que brota em meus olhinhos!

Sim, sou apenas um cachorrinho. 
Fui criado por Deus e também tenho sentimentos e um coração.

Chegará o dia que partirei desta vida, e quero que saibas que lá, no céu dos cães, eu serei sempre grato por tudo o que tu fizeste por mim, principalmente pelos anos que passámos juntos.

Assinado: Aquele que te ama incondicionalmente

RE:
Talvez nunca tenhas sabido falar a linguagem dos humanos, mas nunca deixei de perceber as palavras que me dizias entre latidos, olhares, orientação da cauda ou das orelhas... Nunca ficámos em silêncio um com o outro...

E os teus desvarios e loucuras, as tuas ausências e correrias loucas... quantos sobressaltos me provocaste, mas que rapidamente, em cada regresso teu, se convertiam e renovavam em múltiplos de mil, no amor que por ti guardava. É por isso justo dizer que o que tu sentias com a aproximação dos meus passos ou com a chegada da minha voz, era no mínimo equivalente ao que eu ansiava quando te perdia de vista...

Tantas vezes me consolaste em momentos difíceis e tantas foram as vezes que em ti me apoiei para poder ter forças e continuar. As partidas que me pregaste e que me tiraram do sério e fizeram parecer terem sido terríveis, mas que depois as contei como actos heróicos por ti protagonizados, em pulmões que se enchiam de orgulho, aventura e diversão!

Depois de mais uma "surpresa" na lama
Foste sempre especial! Só tu tinhas aquele teu olhar maroto, umas vezes provocador, outras vezes ternurento, mas sempre... próprio e revelador da tua personalidade. Foi sempre como se entre nós, pelo olhar, se espelhasse a tua alma.
O teu pêlo... macio e sedoso eram, concerteza, a razão dessa Paz pelas sensações que me transmitiam, pela calma e pela serenidade que revelavas e que eu podia perceber pela tua expressão corporal. Sinto tanta falta disso... e do teu cheiro!...

Eu sei que nunca me pediste nada mais do que o meu amor e nisso fomos justos um com o outro. Demos e recebemos um do outro e mesmo sabendo que não te desiludi, queria apenas um pouco mais de tempo para te dar, pelo menos, mais um pouco do tanto que me deste...

Só em velhinho te vi algumas lágrimas e ao espreitar a tua alma percebi que as derramavas porque estavas preocupado por teres de partir. Percebi que durante dias a fio recordaste muitos dos momentos que passámos juntos e que essas memórias te traziam saudades nossas. Eu sei que a tua partida foi necessária e adiada por tanto tempo quanta energia tinhas, mas... ao contrário de ti, eu não sou tão forte e ainda não superei esse momento. Ao contrário de ti, eu sou egoísta e não queria que tivesses ido embora... tu prometeste que nunca me deixarias.... Sou eu quem tem de pedir perdão porque ao recordar os nossos melhores anos não consigo evitar as lágrimas e a falta que tu me fazes...
O único dano que possas ter causado em mim foi posterior à vida que tivémos um com outro. Foi aquele que ficou no vazio que em mim cresceu... depois de ti.

Mais do que tudo: foste sempre o meu menino.

Aí onde estás, no céu dos cães, espero que continues a viver comigo no teu coração assim como eu que por aqui, no tempo da época em que vivemos, vou reservar para sempre na memória e no coração o lugar que só a ti pertenceu e só a ti pertencerá. 
Serás sempre o Cão-do-dono!

Aquele que te amou incondicionalmente.

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Nasceste a 26-05-1997 e vieste para casa a 17-07-1997, faz hoje 15 anos.

domingo, 24 de junho de 2012

JUDAS - HERÓI OU VILÃO?

"...como se limparia agora o nome e a imagem de Judas...?"

Foi, segundo os cristãos, por 30 moedas de prata que Judas Iscariotes entregou Jesus aos romanos. Ao longo dos tempos entretanto convertidos em milénios, este foi sempre o mau da fita, o vilão da história do nazareno que era, afinal, O filho de Deus.
Mas vilão como? Da mesma forma que a própria Igreja primeiro perseguiu, torturou, crucificou e depois, numa verdadeira campanha de marketing de fazer inveja à Coca-Cola, fez mártir e principal "bandeira da Fé" o próprio Jesus Cristo?

Como em qualquer bom suspense que se preze, tem de haver sempre os bons e os maus e também os inesperados, aqueles que surpreendem por se revelarem exactamente... como menos se imaginava.
Judas era, afinal, um dos 12 eleitos! Um seguidor. Um discípulo. Um homem da confiança de Jesus Cristo, O filho-homem do Deus-Todo-Poderoso e Omnipotente! Era o Messias!

Segundo a lenga-lenga contada pela Igreja [qual grupo de verdadeira hipocrisia, fantochada e folclore que ainda assim merece todas as honras por ter conseguido influenciar povos de todas as nações com a publicação do maior bestseller de sempre, a Bíblia, e pelas histórias que foram contadas de boca-em-boca em todos os recantos do mundo por todos os homens e mulheres que promoveram - e promovem! - a Palavra de Deus], depois de entregar Cristo aos sacerdotes - judeus por sinal! - que se faziam acompanhar por soldados romanos e que todos juntos - os interesses políticos, entenda-se -, um século depois, vão fundar a Igreja Católica Apostólica Romana, Judas ter-se-á suicidado por enforcamento depois de ter tentado devolver as moedas que recebera como pagamento pela "traição".

Mas... será que houve mesmo uma "traição"?
Volvidos dois mil anos e recorrendo aos novos estilos de entretenimento e a um maior e mais variado rigor criativo [provavelmente também fique a dever-se a uma maior exigência e a um maior sentido crítico (?)], o verdadeiro desafio dos dias que correm não passa por catalogar os "bons" e os "maus", mas antes por tornar odiados e odiosos os que se sacrificam por uma causa e todos os indícios levem a interpretar isso mesmo como o natural papel que apenas cabe ao verdadeiro vilão...

Para a Igreja, na Bíblia e em todos os registos, incluindo na Wikipédia, Judas é um vilão e foi um traidor.
Mas... não foi a ele que Jesus terá revelado primeiro que ia ter de ser sacrificado e morrer na cruz?
Não foi a ele que Jesus permitiu que como sinal para que se identificasse o Homem, Judas o beijasse nos lábios? Não foi a Judas que Jesus permitiu que se encarregasse das funções de tesoureiro do grupo e até mesmo que este se ausentasse durante a Última Ceia logo após beber o vinho que era o sangue de Cristo?

E se na conversa que Jesus e Judas terão tido [relatada nos Evangelhos como tendo durado uma semana], o Rei dos Judeus tiver incumbido Judas de assumir uma posição que exigiria força, carácter e sacrifício, e tiver confiado ao Discípulo a missão de ser ele a fazer a denúncia? Não sabia, Cristo, tudo por antecipação? Não sabia Jesus Cristo que Pedro, esse "pescador de homens" tido como principal mensageiro, um pilar, [cujo reconhecimento da Igreja figura no Vaticano, numa Praça com o seu nome [Praça de São Pedro], negá-Lo-ia por três vezes? Isso não foi uma traição de amor? E se o beijo de Judas a Cristo, mais do que identifica-Lo, tiver sido a dolorosa despedida em silêncio? E se morreu [porque também há uma divergência entre o enforcamento e uma queda num precipício - a páginas tantas nem morreu!?...], porque não suportou o peso da "missão" que Jesus lhe confiou?

À luz destes cenários, como se limparia agora o nome e a imagem de Judas, resvalado e absorvido pela lama vezes sem conta, por tudo e por todos, já há pelo menos... 2000 anos?

quinta-feira, 31 de maio de 2012

CABRA EM PELE DE CORDEIRO

Foi há uns anos que publiquei num jornal onde trabalhei como jornalista que escrevi qualquer coisa que terá variado, mesmo que por outras palavras, com o mesmo propósito que hoje me enche de vontade voltar a reflectir. Nesse artigo, então publicado com o título "DIFERENTES NO ASPECTO, IGUAIS NA DEVOÇÃO" falava de amor. Disse "de amor", em vez de "do amor", porque não me dei a escrever sobre a banalidade da palavra, nem do que se entende por esse sentimento. Foi "de amor" que escrevi porque se tratava de amor verdadeiro, daquele que nos leva a dar tudo, a sorrir ou a chorar apenas por se evocarem as memórias.

Quando, nesse dia, escrevi com tanto sentimento e devoção alimentei reacções e discussões, alguma polémica e contradição, mas tinha os meus motivos para pensar como pensava na altura sobre conhecermos ou aceitarmos as pessoas como e pelo que são no capítulo das relações que as unem. Infelizmente, a minha teoria estava certa. Fui "mordido" por essa cobra venenosa que se dá pelo pseudónimo de "relações humanas" e pude sentir na boca o amargo sabor da mesquinhez, da vulgaridade e da filhaputice das pessoas...

Não vou aqui parafrasear nem repetir o que então gravei em palavras, mas a ideia era mais ou menos esta: na vida, as relações humanas são susceptíveis de mudar. De se deteriorarem. Os amigos podem deixar de sê-lo. Pais e filhos podem zangar-se e virar costas entre eles. Irmãos podem tornar-se rivais. Os amores passam e são dados a traições. Até os inimigos acabam por enfraquecer e tentar a Paz! Quando, na vida, buscamos o "para sempre" ou o "até que a morte nos separe" - porque há esse amor sem ser de forma avulsa! -, então temos, sem apelo, sem agravo e sem qualquer sombra de dúvida, de considerar o único ser capaz disso: o nosso cão. Só mesmo essa relação especial e única que se cultiva com o nosso cão nos permite uma parceria de fidelidade e de amor incondicional que nos é dado sem qualquer interesse ou cobrança e que efectivamente é para a vida. Se não abandonarmos o nosso cão, ele jamais nos vai deixar ou desistir de nós por outra pessoa. Se nos zangarmos com ele mesmo que de forma injusta, ele perdoa no momento seguinte. Não lhe interessa saber se somos inteligentes, se somos ricos, se somos bonitos... se estamos bem vestidos ou onde vivemos. Tudo o que interessa ao nosso cão é ter a nossa companhia. É ver-nos felizes. É corrermos juntos. Passarmos tempo juntos. Escrevermos juntos as nossas aventuras... Quando assim é, com tantas evidências de que o cão é por condição natural o melhor amigo do Homem, a preocupação é apenas saber, quem é, afinal, o melhor amigo do Cão?

Sem me desviar do tema, o povo alimenta que "quanto mais se conhece as pessoas, mais se gosta dos animais" e só me ocorre a terrível e repetida verdade também corrida entre o povo de que nunca conhecemos realmente as pessoas e, menos ainda, quando se trata de gente que nos confunde por se apresentar vestida em pele de cordeiro, quando, na verdade, se deveria apresentar como sendo o que é desde o berço: animal, sim, mas na pele de uma verdadeira cabra!

Ary dos Santos
"Poeta Castrado Não!"
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!