sábado, 8 de outubro de 2011

HACHIKÕ: HISTÓRIA DE UM AMOR INCONDICIONAL

Filme original na versão japonesa onde figuram as personagens que retratam Hidesaburõ Ueno e Hachikõ

É impossível poder contar esta história sem recorrer ao argumento do filme.
Será tarefa igualmente impossível poder relatar os factos sem ilustrar com verdades absolutas que vão acabar por evocar a ganância do homem, os valores da fidelidade e o amor incondicional.
Como poderei contar esta história sem que as lágrimas, a saudade, o vazio da perda se percebam e se reflictam nas palavras que vier a escolher?
A simples tarefa de agora escrever e partilhar algo sobre esta história, é, por si só, um dever de cidadania e de humanismo. Pode ser interpretado como um gesto de amor, mas, também, de revolta...

Foi há coisa de alguns dias que finalmente vi o filme, a versão americana protagonizada por Richard Gere e Joan Allen, realizado por Lasse Hallström. Inspirado em factos verídicos, o filme conta a história de um cão japonês, Hachiko, um Akita, que viveu a eterna espera por um dono que tinha como melhor amigo e que morreu subitamente com um ataque cardíaco e nunca mais regressou à estação de comboios onde o fiel Hachiko o esperava todos os dias. A verdade é que após a morte do dono, sem compreender que este jamais regressaria, o cão manteve a rotina de esperar todos os dias o mesmo comboio que deveria trazer o amigo... durante nove anos.

Amizade sem igual num amor incondicional e sem interesse
De nada adiantou que o tivessem levado para viver afastado da cidade, ou vendido a casa onde sempre vivera com o dono, porque ele escapava sempre para poder cumprir com a espera que traria de volta o amigo. Sem ser retratado na história, Hachiko terá sido sujeito à vida dura de um cão que embora amado e respeitado por todos, passou a viver na rua, certamente atacado por outros cães, acossado por doenças e pragas e ao acumular dos anos que o conduziram à velhice.

Quando finalmente morreu, o cão teria 12 anos de idade e terá adormecido exactamente na mesma Praça onde durante nove anos esperou o regresso do dono. Na versão romanceada do filme, podemos testemunhar e viver a emoção do reencontro que finalmente acontece após a morte, num cenário de Paz e tranquilidade eternas.

Mas o filme é mais do que isto.
O filme coloca a nu a verdadeira e incomparável amizade entre o Cão e o Homem. Aliás, o filme acaba por deixar perceber como todos os outros: a mulher, a filha, os amigos... do homem seguiram com as vidas que tinham... e como só o cão, só o Hachiko não foi capaz de retomar a vida que tinha. Sofreu a perda e esperou... até à própria morte.

Estátua de bronze de Hachikõ em Shibuya
Tenho defendido esta teoria ao longo da minha vida: ninguém nos ama mais nem melhor nem de forma mais desinteressada, do que o nosso cão! Se nunca o abandonarmos, jamais será ele a fazê-lo!...

Para mim, que tenho tido uma vida de amores (bons e maus), faz sentido admitir que amo acima de tudo, os meus cães e as mulheres. Mas por esta ordem. Não outra! E não, não há qualquer engano ou demagogia no que acabo de admitir.

Na vida, os amores que temos, mesmo os que pareçam eternos, podem acabar. Os melhores amigos, deixam de sê-lo. Até uma relação familiar entre pais e filhos ou irmãos... arrefece e voltam-se costas uns aos outros... Mas o nosso cão... o nosso verdadeiro Amigo e Companheiro... esse jamais nos deixa! Por ele voltamos para casa mais cedo. Só ele nos recebe de cada vez com a mesma festa e com o mesmo entusiasmo. Tenhamos saído de casa 8 horas ou 8 minutos antes, a festa é a mesma!

Quem, alguma vez, teve um amor que aquando do regresso a casa pulasse de alegria pelo reencontro e gritasse aos vizinhos que estávamos em casa ao mesmo tempo que nos enchesse de beijos e carícias por estarmos de volta? Quem?? Quem, na perspectiva de alguma vez ter tido tudo isto, o teve de facto sem ter sido porque tivesse... um cão?...

De volta à história de Hachiko, este nasceu em 1923 e se no filme ele "escolhe" o dono, a verdade é que ele foi deslocado da província de Akita - que, afinal, dá o nome à raça - para ter ido viver com um professor da universidade de Tóquio, Hidesaburõ Ueno, numa pequena cidade ferroviária chamada Shibuya e é aí, numa pequena praça em frente à estação que ainda hoje figura uma estátua de bronze em memória e honra de Hachiko. A estátua, por sua vez, foi esculpida por Teru Ando e ali colocada em Abril de 1934, mesmo em frente à bilheteira.

Um ano depois, em Março de 1935, com 12 anos de idade, Hachiko foi encontrado "adormecido" aos pés da estátua, perpetuando assim a imagem da espera eterna (há relatos diferentes que dizem que Hachiko terá morrido numa rua lateral à estação).

Quando morreu a notícia foi estampada em todos os principais jornais do Japão. Foi decretado um dia de luto pela espera que durou 9 anos e 10 meses. Ainda hoje, 76 anos depois, a 8 de Abril os japoneses assinalam a data e realizam na pequena Praça de Shibuya uma cerimónia em homenagem ao cão fiel.

Um dos momentos de reencontro após mais um dia de trabalho
Mas há outras curiosidades relacionadas com Hachiko: em pleno período da II Grande Guerra, o Governo do Japão recolheu todas as estátuas em bronze, entre elas a de Hachiko, para fundir e transformar em material bélico. Em 1948, entretanto, um grupo de amigos e conhecedores-admiradores da história do cão fiel ao dono, juntaram-se e procuraram o filho do escultor da primeira estátua para que este voltasse a esculpir o Akita Hachiko. Essa é a estátua que ainda hoje lá está e serve de ponto de encontro a milhares de pessoas que circulam e combinam encontros em Tóquio com passagem pela estação de Shibuya.

Outra curiosidade ainda maior poderá prender-se com o aproveitamento propagandista que o Governo nipónico terá feito da história de Hachiko. Os Akitas são conhecidos por serem cães muito fieis e verdadeiros admiradores de quem cuida deles. Este zelo é testemunhado por inúmeros relatos de cães que terão dado a vida pelos donos e por isso mesmo foram considerados Património Nacional, em meados de 1940, tendo estado proibida a venda destes cães durante muitos anos. Mas o "aproveitamento" que houve está associado ao facto de os militares terem "usurpado" o carácter dos Akita, inspirado em Hachiko, para motivar os soldados japoneses de que nada podia impedir a determinação e paixão (ou fanatismo) com que estes defenderiam o País, primeiro na guerra Sino-Japonesa, depois na II Guerra Mundial quando atacaram Pearl Harbor.

O cão simbolizava isso mesmo, um ícone nacionalista e ainda hoje a história de Hachiko é ensinada por pais e educadores nas escolas. Importante referir que o Japão, o "país do sol nascente" adorava todas as figuras do sol e "Akita" representa um deus-sol que vive entre os homens...

Corpo empalhado
O corpo de Hachiko, foi empalhado e está exposto no Museu Nacional de Ciência do Japão. Os restos mortais foram sepultados junto à campa do dono. Como prova de reconhecimento e da memória viva dos japoneses, em 2004 foi edificada uma outra estátua de Hachiko, agora em frente ao Akita Dog Museum, na cidade Natal de Hachiko.

Ainda hoje, se um proprietário não tiver condições financeiras para manter um Akita, o governo assume a guarda total do animal.



Hachikõ significa "número oito" em japonês, por isso a minha publicação hoje, dia 8, como uma homenagem ao Cão e a todos os cães que vivem ou viveram reconhecidos pelo valor que mede o sentimento e o amor entre eles e nós, os "amigos" deles.

O filme, aqui mostrado em 6 minutos...

2 comentários:

  1. Não tendo a tua carga emocional, também me emocionei a ler e depois a ver o filme, mesmo que contado em 6 minutos (foi muito bem compactado). Tu e o Yiuri mudaram a minha forma de ver e tratar os animais.

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  2. É extraordinário como te retratas....

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