sábado, 1 de outubro de 2011

PUTATIVAMENTE FALANDO

"... nesta fase já conhecemos tudo e não temos medo de nada!..."

Dois meses...
Já passaram dois meses desde que a ordem e a desordem se fundiram numa só e deram lugar a uma nova etapa de vida...

Neste intervalo de tempo as coisas mundanas do dia-a-dia têm sabido ocupar a mente e afastar memórias mais amargas. Mas também têm revelado de forma nua e crua quem, afinal, temos ao nosso lado e quem, na verdade, apenas nos desilude, a cada dia que passa um pouco mais.
Chorar?! Sim, esse "desiderato" que nos remete para o mais íntimo de nós, que num momento de esclarecimento nos recorda como somos frágeis e lamechas, mas também aviva sobre a nossa força e a nossa perseverança? Não... Não o tenho feito.

Em vez disso tenho preferido carregar tudo o que vou acumulando para mim, para não ceder nem voltar atrás nos desejos ou nas memórias, nas ausências sentidas por quem já não está ou - as que mais magoam -, por quem está, mas tem dias em que parece que nos esquece. Se pensar nas ausências, sei, forçosamente acabarei por recordar as perdas e derrotas que me têm sucedido... e não quero.

Às vezes sinto que chego ao limite e fica difícil suster todas as lágrimas que se precipitam para a orla dos meus olhos, mas num esforço hercúleo, mesmo que perca uma ou outra mais atrevidas, consigo controlá-las, apertando um pouco mais o nó na garganta ou engolindo em seco por me lembrar quão descabido será permitir que o vazio ou a tristeza levem vantagem. Controlo-me e convenço-me de que não posso ceder. Simplesmente não posso.

Tenho feito coisas mais simples e às vezes banais.
Tenho escrito como se não houvesse nada que me incomodasse. Embora vazio de emoções, acabo por tratar as palavras que escrevo com alguma indiferença, usá-las, servir-me delas quase como exercício, apenas. Isso acaba por distrair-me... às vezes.

Há dois meses, sei, escondia-se no fundo da minha alma uma emoção convulsiva que fervilhava entre o querer tanto e o querer tão pouco, entre o tudo e o nada...

Hoje acho que vivo uma emoção diferente, convulsiva também e que se trava entre quem sou e quem ou o que gostaria de ser... É quase como um desejo: querer ser diferente do que sou. Que terrível castigo do destino, este!

Haverá tragédia maior do que ter de suportar a vida apenas porque tem de ser, conformando-nos apenas por sermos... como somos?
Se ao menos houvesse uma qualquer distinção, sei lá, de mérito, talvez, por chegar um dia das nossas vidas em que nos conformamos com o que somos: "ok, vou ser gordo, vou ser careca, vou continuar a ser egoísta ou vaidoso, simpático ou arrogante..."...?

Ou seja, temos mesmo de aceitar que vamos ser desta ou daquela maneira apenas porque faz parte do nosso carácter? Conformarmo-nos com o que significamos para nós próprios, mesmo que para isso, muitas vezes estejamos a representar? Temos de aceitar tudo isso e nem mesmo assim somos reconhecidos?
É injusto!...

De que nos serve a experiência da vida, afinal? De que nos serve a sabedoria "precoce" que nos leva a poder perceber a mesquinhez e a tacanhez dos outros - mais velhos ou mais novos, simplesmente menos "iluminados" pela vida -, quando isso não nos permite mudar nada em ninguém, nem mesmo em nós próprios?

Hummm.... deve ser por essa descoberta que alguém, um dia, definiu a vida como sendo "uma tragédia". Deve ser esse o segredo da vida: a frustrante revelação de que teremos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, os nossos defeitos, egoísmos e avidez para todo o sempre, uma vez que nem a experiência de vida, nem a compreensão podem mudar "isso" que somos.

Por causa do que somos e desse conformismo doentio, vamos acabar por ter de suportar que quem amamos, não nos ame ou que não nos ame como gostaríamos...

Quando somos precocemente iluminados e levamos uma vida de inconformismo e de conquistas, aos 38 anos, a minha idade actual, já teremos aprendido tudo isto.
Infelizmente, porque seria bem mais fácil, este conhecimento, esta sabedoria, não é aprendido nos livros ou nas enciclopédias que guardamos nas estantes, protegidas do pó... Quando se chega a este estádio, já a solidão terá sido mastigada inúmeras vezes como refeição diária e o medo... bem... nesta fase já conhecemos tudo e não temos medo de nada!...

"Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode recomeçar agora e fazer um novo fim" (Chico Xavier) 

Ah!, por isso o "putativamente" (advérbio: por mera suposição), porque apenas e só putativamente podemos viver inconformados com o que somos e podemos ainda fazer um novo começo...

Sem pôr nem tirar, tal como diz a canção:
                                                               "... tudo isto existe...
                                                                ... tudo isto é triste...
                                                                ... tudo isto é fado!..."

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