sexta-feira, 27 de abril de 2012

CRÓNICAS SEM RELATO II


CONVICÇÃO
Tenho a certeza - e até já o disse entre amigos - que um destes dias vou mesmo ganhar o euromilhões. Não é um desejo apenas, é mesmo uma certeza!
Não sei quando, não sei com que chave, mas sei que vai acontecer! Apenas sei...
Quando isso finalmente acontecer, também sei - mesmo que seja o único totalista -, não vou ganhar sozinho. São muitos aqueles que vão ganhar comigo: pessoas a quem estimo, pessoas a quem desejo para elas o mesmo que para mim, pessoas a quem reconheço positivismo, gratidão, amizade... enfim, pessoas que mesmo sem que o saibam, trago guardadas no meu coração.


PALAVRA DE HONRA
Que significado e sentido assume hoje em dia a expressão "Palavra de Honra"? Numa era em que tudo se rege por contratos assinados e que mesmo assim nunca se fazem cumprir porque ao mesmo tempo que estão a ser rubricados "papeis de regras", em silêncio se percebe no olhar que já estão a ser magicadas formas e fórmulas para se inverter o contexto e violar o acordo escrito, onde, afinal, pode caber a palavra de uma pessoa? O que é isto da "Honra", quando nos habituamos e ouvir os mais variados agentes da sociedade - políticos, dirigentes desportivos, advogados... - na manhã seguinte a qualquer pseudo-promessa afirmarem categoricamente que o que hoje se diz, amanhã é mentira e fazerem exactamente o oposto do que anunciaram?
Deve ser por isso que se estranha quando são avistadas algumas dessas "aves-raras" a assumir compromissos baseados unicamente na palavra dada, no aperto de mão ou na tal honra que molda o carácter dessas pessoas...?!

EMPENHO vs DESEMPENHO
São distintas estas duas acções e marcam, inevitavelmente, duas posturas.
Ainda que possa haver gente empenhada e com um bom desempenho, na maioria dos casos essa relação nunca é possível de se quantificar. Uma pessoa empenhada numa relação, por exemplo, não significa que tenha um bom desempenho. Ou um trabalhador com um bom desempenho, não tem de estar propriamente empenhado para lá chegar.
Isto explica-se: nessa relação em que as pessoas estão empenhadas, por exemplo, em serem agradáveis umas com as outras, isso pode muitas vezes significar um verdadeiro frete e uma acção a contra-gosto, no entanto, por factores muitas vezes associados ao bem-estar emocional, financeiro, social... pode levar a uma série de sorrisos amarelos e palmadinhas nas costas que podem levar a um aparente relacionamento entre as partes, mas que na verdade está carregado de representação e que por muita vontade que haja (ou empenho), nunca será apreciada (bem desempenhada).
No outro exemplo, o trabalhador pode perfeitamente ser bem avaliado pelas tarefas e funções que realiza (bom desempenho), mas isso ficar a dever-se unicamente à "formatação" que está tida como condição para a sobrevivência e aceitação social, pois já de si, terão sido resgatados à partida todos os cenários de empenho por sentir que tão pouco está a fazer o que gostava de fazer ou considerar haver um sobre-aproveitamento das reais capacidades que tem.
O tema é decididamente dado a diversas interpretações, mas no essencial será sempre tido a um vício de pronunciação, pois persistirá sempre a tendência para se tratar o "desempenho" como sendo algo realizado com sucesso. Na verdade, "desempenho" não é mais do que um resgate do que se encontra empenhado, daí o prefixo "DES" sobre o sufixo "EMPENHO".
Outros exemplos simples de se compararem: des+culpa = retirar a culpa; des+empregado =  não está empregado, foi retirado do emprego; des+motivado = não se encontra motivado, foi-lhe retirada a motivação.

COMO AS CARTAS DE AMOR
As histórias de vida são como as cartas de amor, quem as não tem?    (Ou será ao contrário?)
Umas mais fáceis do que outras, umas mais justas, outras menos estimadas, umas ainda mais coloridas e outras mais chorosas, mas todos temos as nossas histórias para contar com a história da nossa vida.
Falamos da vida e algures pelo caminho são recordadas lágrimas que foram perdidas em momentos de alegria e em momentos de tristeza, mas que numa ou noutra condição contribuíram para o crescimento e para o fortalecimento da personalidade de cada um de nós. Também é frequente encontrarmos as
lágrimas de saudade de memórias distantes e de perdas e conquistas que vimos partir com o tempo que avançou sempre numa marcha lenta mas impiedosa, mesmo que sem tomar um partido que fosse a favor ou contra cada um de nós em particular, mas que deixa as marcas visíveis no desgaste do rosto, no esbranquiçar do cabelo e na paixão que vamos adquirindo pelas coisas mais simples.
Vidas e histórias que se cruzam, a páginas tantas, com a confrontação de medos e desafios: para uns, o medo da morte, para outros, o desafio da vida.

O VALOR DAS COISAS
É verdade que somos animais de hábitos e seres egoístas por natureza e condição.
Também é verdade que somos estupidamente cegos quando se trata de ver o que está mesmo à nossa frente e quase nos entra pelos olhos adentro...
É uma "cegueira" afectada por parvos orgulhos e teimosos caprichos que dançam em torno de uma simplicidade que nos escapa por entre as mãos, como a areia na praia.
Todas - sem excepção - as coisas na vida têm um valor: têm um valor sentimental, têm um valor material, um valor emocional... valor afectivo, valores que nem sequer seriam aceites como sendo um valor se a eles não fosse atribuída uma carga comparativa pautada numa escala que varia entre o que é mensurável ao que é incalculável!...
Com tantos valores dispersos e com tantas diferenças de valor, é quase naturalmente que aceitamos a consciência de que nos escapam tantos valores para reconhecermos e sermos capazes de atribuir o devido valor ao que realmente tem mais valor: a quem nos ama!


SIM, SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO!
O actual líder que agora calhou aos portugueses para conduzir o país, o senhor Pedro Passos Coelho, tem proferido algumas declarações que a todos nos têm vindo a deixar... estup(idos)efactos. Uma delas, ainda vivíssima na memória de todos nós, sugeria que partíssemos de armas e bagagens e montássemos arraiais noutra freguesia qualquer que não tenha no código postal qualquer referência ou ligação com Portugal. De imediato e vindas de todos os quadrantes, insurgiram-se vozes e gritos de revolta pelo claro incentivo à emigração que ainda dizia, entrelinhas, e "tornem-se imigrantes, fiquem por lá!" em vez de medidas que pudessem ser tomadas para que se invertesse o cenário e se estabilizasse a população activa - e cada vez mais especializada. "Incompreensivelmente", a mensagem foi deturpada por motivos políticos e, claro, a ideia morreu à nascença. Mas vale a pena perceber a real boa intenção do gato-pingado que troca a bota pela perdigota e que agora é o PM de Portugal, pois o que ele na verdade quis deixar claro é que nos dias que correm deve ser bem equacionado se emigrar deve ser visto como solução ou como alternativa. Mais, Passos Coelho estava cheio de razão porque, afinal, "lá fora" até se reconhece e se paga melhor ao trabalhador português (o salário médio até aos 34 anos é inferior a 600 euros/mensais) que para as mesmas funções se não largar as saias da mamã, primeiro, não é colocado em parte alguma, e, depois, se é colocado está sujeito a um regime de completa exploração. Portanto: é para ir para o Brasil? Angola? China ou conchichina? Sim, senhor primeiro-ministro!!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

CLUBITE AGUDA

"... fiéis e sofredores ainda que contrariados..."
Nasci e fui criado no seio de uma família benfiquista, educado segundo a doutrina de Eusébio, a pureza imaculada dos calções sempre brancos de Nené e a segurança e protecção de Manuel Bento. Aceito que a mão divina de Vata, o holocausto dos 7-1 em Alvalade ou a traição de Veloso, qual Judas, com o PSV me tenham feito (a)variar as emoções, mas todo o intervalo que corre desde esses tempos até ao dias presentes em que todo o inferno está entregue a um falso profeta que diz responder por Jesus e a quem se tolera (?!?!) um mascar ordinário da pastilha elástica e um constante atropelo ao bom português, apenas me resta afirmar que cresci, desportivamente falando, e que na verdade não tenho clube por "defeito". Sempre me fez confusão as pessoas não gostarem de um treinador, da maioria dos jogadores ou até dos dirigentes, mas, por clubismo não poderem assumir isso e manterem-se sempre fiéis e sofredores ainda que contrariados (o mesmo se passa com a política e com os partidos: não se gosta do candidato, mas tem de se votar no partido, mesmo sabendo que não vai trazer mudanças boas para o país! É o partido!...). Não é o meu caso! Nunca fui de seguir em manada e opto sempre por trilhar os meus passos!


Robben: um craque à antiga
Depois do que me foi dado e apresentado como sendo natural (ser do Benfica), comecei a ver por mim e percebi que gostava mais do Real Madrid do que do SLB. Na altura, inclusive, a minha explicação era simples: os espanhóis tinham não só um excelente craque, o mítico nº7 El Butragueño, como este era também o único craque com o meu nome próprio, Emílio. À custa de Emílio Buitre, alimentei durante anos a fio a minha paixão clubística pelos blancos e é a contragosto que neste momento não me vejo vibrar nos jogos do Madrid...

Sempre vi este clube como o mais exemplar e onde os jogadores e treinadores sendo todos eles enormes de talento seriam sempre gigantes de humildade e exemplos para todos nós como pessoas e como figuras públicas. Não é o caso actual.

Carlo Anceloti: treinador
Por muito que tente suportar a arrogância do treinador Mourinho, não lhe reconheço as qualidades de carácter, de isenção e de fair play que são exigidas aos grandes condutores de homens.

Por muito que queira aceitar a imaturidade associada à loucura da juventude do pseudo-menino Cristiano Ronaldo, não lhe reconheço qualquer humildade em campo ou influência positiva para os milhões de crianças e jovens que idolatram os craques e sonham em ser (exactamente) como eles.

Por muito que se passe a mão pela cabeça e se devolvam oportunidades dado o aparente arrependimento, não consigo tolerar atitudes de um Pepe que mancha de vergonha o emblema que no passado e para a mesma posição em campo já teve nomes de senhores como Hierro, Solari ou Canavarro e que deixaram um legado que este agora destrói a pontapé - e pisaduras e socos!

Como aclubístico, sou a favor do bom futebol e sou livre de torcer por quem mais me identifico; individualmente gosto de jogadores como o Robben, agora no Bayern Munique, do Llorente, do Gabilondo e do Muniain no Athletic Bilbao, do Seedorf e do Robinho, no Milan, do Messi, do Xavi e do Iniesta no Barcelona, do Kaká ou do Lass Diarra, no Real Madrid, do Fernando, no FC Porto, do Andersson no Manchester United...

Kaká: exemplo de jogador
Em equipa, é um prazer, um regalo para os olhos!, assistir a um jogo do Barcelona ou da selecção de Espanha!

No banco, treinadores como Guardiola (Barcelona), Carlo Anceloti (PSG), Vicent Del Bosque (Espanha), Quique Flores (Al Ahli, EAU), Arséne Wenger (Arsenal), Manuel Cajuda (sem clube) e até a surpresa Ricardo Sá Pinto (Sporting), são alguns desses timoneiros a quem se ouve e observa com respeito por mostrarem saber estar no desporto, aceitando com humildade e desportivismo os desfechos das partidas e sem desviar para outros agentes as falhas e erros que deveriam assumir quando não ganham.

Que é feito dos "gigantes de humildade"?     
Não sofro de clubite aguda precisamente porque prefiro fazer parte dessa minoria de jogadores e de treinadores e de público em geral que sabe estar no desporto e que para tal não precisa de chamar sobre si as atenções com disparates e provocações que apenas revelam uma constante inquietação e uma per si natural imposição social para que possam sentir-se integrados.

Pertenço a essa ténue franja de desportistas que vive as emoções do desporto com a clara certeza de que tudo não passa, afinal, de entretenimento.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

LASSIE: O CÃO QUE TREPAVA ÁRVORES

"(...) Cheirou-o como que a certificar-se de que não era dela... (...)  ...hoje sei reconhecer que seria "ternura""
A Lassie (e apenas pelo nome já certamente se perceberá que me refiro à viragem dos anos 70 para os gloriosos anos 80, quando então tínhamos na televisão uma série com uma cadela rough collie super inteligente com o mesmo nome) era uma cadela rafeira com o pêlo castanho-avermelhado e peito branco, e com olhos cor de mel que me acompanhou numa série de aventuras e que à distância de tantos anos merece ser recordada por alguns dos feitos que marcaram a nossa história em comum.

No "papel" de Lassie
Merecia bem mais do que as linhas que aqui vou gravar, mas os tempos eram outros e os meios de que hoje dispomos são bem diferentes daqueles tempos. Sei que sim, que terei alguma fotografia dela, mas num daqueles álbuns provavelmente perdidos no tempo.
Estas palavras, hoje, à distância de uns 30 anos - pouco mais talvez, mais do que uma homenagem, vão permitir guardar para sempre as memórias que ainda tenho de uma época agora tão... distante!

Eram dois cães, já adultos embora ainda jovens: a Lassie e o Estácio, ele, todo preto e para nós, miúdos, o cão mais rápido e simpático do nosso bairro. Viviam como um casal e raramente estavam separados um do outro.

A Lassie, diziam, era mãe do Piloto, um cão enorme, de cor amarela que era tido como o mais forte dos cães (o Estácio era ágil e quando se tratava de fugir nunca era apanhado, por isso nunca foi muito de grandes lutas, felizmente!).

Ele era meio desastrado e quando partíamos - nós, os putos, qual bando de pardais! - todos a correr sem que nos apercebêssemos de que o Estácio estava atrás, ele disparava com a mesma loucura que nós e pelo caminho derrubava tantos de nós - que estendíamos as pernas desenfreadamente e que as cruzávamos completamente quando ele batia em nós com aquele jeito desarticulado -, quantos pudesse, pois que tinha ele de chegar à frente sem nunca se desviar da rota! Era uma risada, pois havia sempre uns tantos "acidentados" com braços, cotovelos e joelhos esfolados e em sangue vivo.

O mesmo ar afável do Estácio
Não sei bem como foi, mas assim que nos conhecemos, a Lassie, o Estácio e eu, nunca mais nos separámos e com o passar dos anos já todos os tratavam como sendo os cães do Emílio - na altura ainda não era "Emílio", entre nós todos usávamos diminutivos ou alcunhas e eu era o "Milito", como ainda sou em casa e para esses amigos do passado!

Ainda antes de contar os feitos da Lassie, abro mais um espaço para falar da Nuca e da Flappy (personagens, creio, da Abelha Maia), duas das filhas que a Lassie teve e que se juntaram à nossa matilha. Eram exactamente iguais na cor malhada branco e castanho-dourado, mas uma era gordinha, a Nuca, enquanto que a outra, a Flappy, sempre foi muito magra. Por estranho que pareça e por tão distintas que fossem, recordo-me agora que eu era o único que sabia quem era quem!...


Mas... a Lassie!?
A Lassie era uma companheira de paródias e uma caçadora. Mas era também uma dama e uma protectora. Quando nos juntávamos todos, eu e os outros "pardais", íamos à caça de gatos e essa era a tarefa dos especialistas Estácio e Lassie. Ele, por ser muito rápido, perseguia e cansava os gatos que em desespero e usando sempre a mesma táctica, acabavam por subir o tronco de um qualquer eucalipto para alcançar um ramo onde estariam seguros.

A Lassie, por sua vez, mais cerebral e mais contida, acompanhava uma parte da correria, mas mantinha a tarefa da perseguição no Estácio quase como estratégia pois quando ele encurralava o gato e ficava a ladrar por debaixo da árvore, era quando então ela se aproximava para escalar o mesmo tronco que o gato usara instantes antes...
Não o fazia com a mesma habilidade que o felino, claro, mas por tentativas que ia fazendo acabava sempre por chegar ao gato ou, desesperado e assustado, era o próprio gato que acabava por entrar em pânico e acabava por cair ou tentar um ramo menos forte e ser apanhado pelo Estácio ou - isso é que era pior! - pelo Piloto, que entretanto juntava-se ao grupo atraído pelos latidos. Quando havia Piloto, não havia um final muito feliz para os gatos...

A Nuca e a Flappy nunca tiveram filhos
Éramos miúdos e todas as brincadeiras serviam: quando era para caçarmos gatos... lá íamos!
Mas também e precisamente por sermos miúdos, facilmente invertíamos as coisas e houve uma ocasião em que tendo a Lassie parido (creio que foram 11 ou 12 crias - entre elas a Nuca e a Flappy), uma gata arqui-rival quer da Lassie, quer de todos nós, miúdos, também dera à luz e rejeitara um dos gatinhos.

Confrontado com essa situação, peguei nesse gato recém-nascido e logo abandonado, e levei-o à Lassie. Lembro-me da expressão dela... Cheirou-o como que a certificar-se de que não era dela e senti que hesitava entre um ataque fatal e algo que hoje sei reconhecer que seria "ternura". Voltou a cheirar o gatinho, mas agora com a certeza de que era algo diferente e... inocente. Aproximei o gatinho de uma teta e quando ela tentou levantar-se não o permiti. No instante seguinte, o gatinho estava a mamar com os cachorrinhos e ela estava a lambê-lo, aceitando-o!

Aquele gato foi criado pela Lassie e quando havia caçadas, aquele era ignorado e respeitado, até pelo Estácio. A Nuca e a Flappy, eram irmãs de leite.

Chegaram, entretanto, os tempos em que ia sozinho para a Escola Primária e como ia sozinho - com outros miúdos e um adulto e depois só com outros miúdos, mesmo -, estava à vontade para levar os cães comigo. O Estácio - curioso isto -, nunca vinha. Havia como que uma "barreira" invisível que o impedia de ir mais longe do que uma certa zona. Dali ele não passava. Se eu insistisse muito ele começava a olhar para trás e a ficar com um olhar triste. Começava a parar e ansiava pelo momento em que eu me despedia dele para que ele pudesse ir embora. Corria para trás e quando estava em "zona segura" parava de novo e ficava à espera de ver-me desaparecer. Mais tarde, quando eu regressasse, responderia de onde quer que estivesse ao meu assobio baixo e surgia de cauda a abanar e sorriso até às orelhas!

Amena cavaqueira em plena cidade
 Já a Lassie (primeiro era só ela e mais tarde com as filhas atrás), pelo contrário, ia comigo até ao portão da Escola e ali ficava à minha espera até eu voltar a sair. Com o passar do tempo e habituada à rotina, quando me deixavam ficar já não se deitavam à minha espera. As pessoas depois diziam-me que as viam pela cidade, ora num talho, ora noutro qualquer lugar onde sabiam que eram recompensadas. À minha hora de sair, lá estavam elas deitadas, ou a chegar ao mesmo tempo que eu saía, para me levar de volta para casa.

A Lassie foi vista pela última vez próxima de um rio zangado com a terra que o ladeava, num Inverno de cheias graves, junto de adultos que me eram chegados, e que se ocupavam de ajudar outras pessoas para que estas não perdessem os bens que a água queria levar. Assim me foi explicado o estranho desaparecimento da minha amiga. Anos mais tarde, já muito velho, o Estácio não respondeu ao meu assobio ao chegar da Escola e fiquei a saber que tinha sido envenenado por poder ser um foco de doenças... Chorei a morte dele e quis ver o local onde estava.
O cão é o melhor amigo do Homem.
E o Homem, será o melhor amigo do cão?

A Nuca e a Flappy nunca tiveram filhos.

As fotos usadas nesta publicação são de tantos outros cães de rua que podiam perfeitamente ser os verdadeiros protagonistas nesta história, porque também eles, certamente, teriam histórias ricas em sentimentos nobres e aventuras para partilhar com quem se entregasse a receber deles a fidelidade que lhes é característica.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

SCUTS: BORLAS VÃO ACABAR

"(...) ... mais valia ser grego, ou espanhol, ou qualquer outro nacionalista bárbaro (...)"
Estão a prazo as viagens que foram entendidas como "descriminação positiva" e que permitiram que se atirasse areia para os olhos de quem via claramente que a história das SCUTS estava mal contada e que se estava a meter a mão nos bolsos dos portugueses. A partir de 30 de Junho (e não creio que vá haver adiamentos), acabam-se as dez "borlas" e todos pagam a doer!

Em retrospectiva, esta é uma história fácil de se contar: primeiro vieram com a história de que teríamos estradas em condições e Sem Custos para os Utilizadores (SCUTS), e toca a acabar com as estradas nacionais e municipais que iam cumprindo com a missão de fazer correr o trânsito e levar-nos a todos para o trabalho, para o lazer ou de regresso a casa. Toca a acabar porque merecíamos ter mais e melhor e porque havia dinheiro que nos era dado para que se modernizasse a rede de estradas. Pagámos o transtorno das obras, mas... por uma causa justa "esperemos que valha a pena!", íamos dizendo para consolo!

E valeu! Valeu bem a pena ter suportado o pó, as filas de trânsito infernais, a chapa que foi amassada em acidentes motivados pela distracção de quem se detinha a apreciar o andamento das obras... valeu bem a pena superar todos aqueles inconvenientes pois o resultado era de facto... muito melhor do que estava antes! Assim o sentiam os utentes na A28, na A29, na A25, na A23... e até deu para, no meio, se "infiltrar" uma auto-estrada "fantasma", a A17, que ninguém se importou, tal era o estado de êxtase!...

Pórticos em vez de pessoas
Mas foi sol de pouca dura...
Quando menos se esperava começam a ser anunciadas cobranças nestas tais de estradas Sem Custos para o Utilizador e até mesmo aqueles que pouco ou nada tinham (A24, A22, IP4...), mas que podiam garantir uma maior aproximação aos seus e à terra se tudo isto fosse, de facto, para funcionar como inicialmente prometido, também eles se vêm, de repente, roubados. Traídos!

Pelo meio ainda se assistiu à mais abusiva das medidas na concertação que se fez com as auto-estradas da BRISA; sim, porque ninguém me convence com esta história de que os identificadores que passariam a ser obrigatórios com a entrada em vigor dos pórticos electrónicos estavam mesmo esgotados!! Ou então, mais uma vez e sem que alguém o tenha atestado, foi mais um claro sinal de completa incompetência dos governantes e organismos que vamos tendo!

As agora chamadas de ex-SCUTS (que ousadia mais descabida!!) estão em vigor (leia-se pagamento) desde Outubro de 2010 e neste momento a ASCENDI (a empresa que implementou o sistema de cobrança electrónico, gere os pagamentos e domina mais de 1300 km de estradas nacionais) ainda está a cobrar passagens por pórticos que se efectuaram há mais de um ano!
Estas medidas de "paga SCUT - não paga SCUT", foram esgrimidas entre governos PS (na altura no poder) e PSD (então oposição e agora poder). Se os primeiros tinham como meta ter criado 300 mil postos de trabalho e se os segundos vivem a maior taxa de desemprego de sempre, porque razão, a haver pagamentos nessas estradas Sem Custos para o Utilizador, foram colocados pórticos em vez de pessoas? Pessoas a quem se asseguram postos de trabalho, pessoas que em sentido inverso, contribuiriam para que os números do desemprego fossem, pelo menos, aligeirados?

Cobrança de portagens nas SCUTS são ilegais
Mas ainda sobre a "clareza" a que me referi atrás: estariam esgotados os identificadores?
Como é que pode ser possível que apenas 200 mil unidades tivessem sido disponibilizadas se passaria a ser uma medida obrigatória?
Quanto é que facturou a BRISA com o "desvio obrigatório" que então os portugueses passaram a fazer pelas tradicionais portagens para evitar o transtorno de se deslocarem aos CTT para fazer o pagamento referente a passagens nas SCUTS?
Alguma vez foram publicados números referentes a esse período em portagens da BRISA que até então eram meros pontos de passagem esporádica?
E os CTT, quando é que vão estar organizados para facilitar os pagamentos? E, afinal, quanto tempo depois?
E os custos acrescidos que foram criados pelo simples facto de se fazer o pagamento nos CTT? É justo?

É este o país de gente conformada e comida pelos sucessivos governos de merda que vamos tendo?
Então, para isso, mais valia ser grego, ou espanhol, ou qualquer outro nacionalista bárbaro que manda toda essa escumalha de políticos aos arames e que por muito menos paralisa tudo e luta com todos, pá!!

Ao que parece a Comissão Europeia considerou ilegais as cobranças de portagens em todas as SCUTS e ameaça mesmo apresentar queixa contra Portugal no Tribunal Europeu de Justiça caso a situação não seja reposta. A situação pode até parecer favorável, mas não vale de nada festejar nesta fase porque isto ainda é chão para dar uvas e só em processos pode arrastar-se por mais alguns anos!

Mais, tenho para mim que quem vai acabar por resolver isto por nós, vão mesmo ser os espanhóis, porque eles (ou qualquer outro Estado membro) podem apresentar queixa por violação do direito comunitário.

Em nome do turismo e dessa tão badalada crise que por aí se fala, eles que actuem e depressa para que se desate o nó que está a estrangular a entrada em Portugal de milhares de visitantes espanhóis - e ingleses e franceses, e italianos, e holandeses... - que usam a A28, ou a A22 ou a A25 como portas de entrada e que também eles ao sentirem-se roubados dizem que não voltam.

Parece que se confirma e que estamos mesmo em estado de mudança pois agora são eles, os espanhóis, que dirão que de Portugal, nem bom vento, nem bom casamento!...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A ERA DO DR. CAMÕES



A minha "aversão" aos médicos é fácil de se explicar e não tem qualquer maldade, apenas uma natural desconfiança...

Para contar esta história terei de recuar (ena pá! o tempo passa mesmo!!) alguns bons 25 anos, pelo menos, e envolver o bom nome de um médico de família de então, no Centro de Saúde de Linda-a-Velha,  o bom do dr. Camões!
Pois o ritual era mais ou menos este: eu, um "sobrevivente" nato, conhecido por fazer bons "negócios" no liceu [tudo tinha um preço e podia ser vendido ou alugado, inclusive dicas para namorar (!!), para os menos ajeitados nessa arte - eles e elas! -] e quando percebi que podia fintar o sistema e salvar muita gente que estivesse no limite de reprovar o ano  por faltas (lembram-se disso?), resolvi entrar em acção...

Isto para ficar mais perceptível terei primeiro de revelar que tudo começou quando numa ocasião dispus de um bloco de justificações médicas da especialidade de estomatologia, do Hospital de Egas Moniz, e que estando carimbado e tudo, apenas tendo de preencher os campos em branco e assinar, me rendeu uns bons dinheiros na época!...

Tinha um sócio, o Feijões, que por ter uma caligrafia "de" médico recebia uma comissão por tratar ele do preenchimento dos espaços e da assinatura. Essas justificações resolveram imensos casos de faltas que os respectivos pais nunca vieram a saber e tinham dois preços, consoante quisessem comprar a justificação em branco ou já preenchida.
Houve uma vez em que o Feijões ousou reivindicar que deveria receber mais dinheiro (ele ficava com 50 escudos numa justificação de 350 escudos) e tive de despedi-lo por isso... Quando ele acabou por meditar melhor e "implorou" para poder retomar a parceria, passou a receber apenas 45 escudos!
Eh, eh, eh, eh!! (um dia ainda conto porque razão o baptizei como "Feijões"...! É uma outra história.)

Mas, e de volta à história inicial, estando eu imbuído desse espírito mercantil (por isso também nunca me importei ou fui dos que pedia uma mesada em casa... Às vezes, quando a recebia, ok!, mas como não era costume e os tempos também não eram fáceis... eu lá me safava! Até hoje, de resto!), sabendo que o livrinho não podia durar para sempre e percebendo que podia ganhar mais, muito mais dinheiro se em vez de "safar" umas faltas, pudesse limpar um período inteiro... eis que me dediquei ao Dr. Camões.

Sempre fui muito e bom observador e quando ia com a minha mãe ao Centro de Saúde pude reparar que o Dr. Camões (não sei se por timidez dele, se por ser muito atarefado a escrevinhar as receitas e as credenciais para exames), raramente olhava para as pessoas ou levantava o nariz do que tanto escrevia para observar quem tinha à frente. Acho até que era um grande frete para ele quando tinha de levantar-se para auscultar os pulmões ou o coração de alguém...! Ou, talvez, ele nem gostasse muito daquele bigode que tinha e sentisse estar algo deslocalizado entre o amontoado de pêlo que mantinha no rosto e uma profissão que se calhar nem gostava de exercer enquanto funcionário público? Não sei!...

A verdade é que saindo do liceu, às 18h30, passava pelo Centro de Saúde que ficava logo ali ao lado e com mais ou com menos 20 ou 30 minutos de espera, lá era atendido. Uma vez no gabinete apenas tinha de queixar-me de tudo o que me ocorresse e às vezes ainda lhe dizia que a minha mãe precisava de uma receita para qualquer coisa e, no final, saia de lá com receitas e credenciais para exames que numa visita seguinte ele nunca se lembrava de perguntar pelos resultados, prescrevendo outros, apenas. Pois era o que eu precisava: ter várias "coisas" para ter várias vinhetas dele e do Centro de Saúde.

Lá voltava o Feijões à ribalta! Arranjávamos uma folha A5 branca, escrevinhávamos qualquer coisa que justificasse a ausência às aulas, colocávamos as respectivas vinhetas e... voilá!!, eis que estava preparado um atestado médico - e até validado pelo Centro de Saúde - que entrava direitinho para a "limpeza" de cadastro de quem pagasse. Creio que a mais valiosa, na altura, rendeu uns 2 500 escudos, o Feijões deve ter recebido 500!

Hoje, à distância de mais de duas décadas, duvido que tal se fizesse com tanto "engenho", mas os tempos também são outros. Hoje, a esta mesma distância, a nossa pequena patifaria até parece ter alguma graça, mas a verdade é que isso me fez crescer com a continuada impressão de que os médicos de família em geral serão todos muito parecidos com o Dr. Camões: talvez olhem para os pacientes, mas na verdade limitam-se a prescrever de acordo com a vontade do paciente. Há médicos e médicos, é verdade, mas para mim haverá sempre um dr. Camões em cada um deles...!