quarta-feira, 18 de abril de 2012

LASSIE: O CÃO QUE TREPAVA ÁRVORES

"(...) Cheirou-o como que a certificar-se de que não era dela... (...)  ...hoje sei reconhecer que seria "ternura""
A Lassie (e apenas pelo nome já certamente se perceberá que me refiro à viragem dos anos 70 para os gloriosos anos 80, quando então tínhamos na televisão uma série com uma cadela rough collie super inteligente com o mesmo nome) era uma cadela rafeira com o pêlo castanho-avermelhado e peito branco, e com olhos cor de mel que me acompanhou numa série de aventuras e que à distância de tantos anos merece ser recordada por alguns dos feitos que marcaram a nossa história em comum.

No "papel" de Lassie
Merecia bem mais do que as linhas que aqui vou gravar, mas os tempos eram outros e os meios de que hoje dispomos são bem diferentes daqueles tempos. Sei que sim, que terei alguma fotografia dela, mas num daqueles álbuns provavelmente perdidos no tempo.
Estas palavras, hoje, à distância de uns 30 anos - pouco mais talvez, mais do que uma homenagem, vão permitir guardar para sempre as memórias que ainda tenho de uma época agora tão... distante!

Eram dois cães, já adultos embora ainda jovens: a Lassie e o Estácio, ele, todo preto e para nós, miúdos, o cão mais rápido e simpático do nosso bairro. Viviam como um casal e raramente estavam separados um do outro.

A Lassie, diziam, era mãe do Piloto, um cão enorme, de cor amarela que era tido como o mais forte dos cães (o Estácio era ágil e quando se tratava de fugir nunca era apanhado, por isso nunca foi muito de grandes lutas, felizmente!).

Ele era meio desastrado e quando partíamos - nós, os putos, qual bando de pardais! - todos a correr sem que nos apercebêssemos de que o Estácio estava atrás, ele disparava com a mesma loucura que nós e pelo caminho derrubava tantos de nós - que estendíamos as pernas desenfreadamente e que as cruzávamos completamente quando ele batia em nós com aquele jeito desarticulado -, quantos pudesse, pois que tinha ele de chegar à frente sem nunca se desviar da rota! Era uma risada, pois havia sempre uns tantos "acidentados" com braços, cotovelos e joelhos esfolados e em sangue vivo.

O mesmo ar afável do Estácio
Não sei bem como foi, mas assim que nos conhecemos, a Lassie, o Estácio e eu, nunca mais nos separámos e com o passar dos anos já todos os tratavam como sendo os cães do Emílio - na altura ainda não era "Emílio", entre nós todos usávamos diminutivos ou alcunhas e eu era o "Milito", como ainda sou em casa e para esses amigos do passado!

Ainda antes de contar os feitos da Lassie, abro mais um espaço para falar da Nuca e da Flappy (personagens, creio, da Abelha Maia), duas das filhas que a Lassie teve e que se juntaram à nossa matilha. Eram exactamente iguais na cor malhada branco e castanho-dourado, mas uma era gordinha, a Nuca, enquanto que a outra, a Flappy, sempre foi muito magra. Por estranho que pareça e por tão distintas que fossem, recordo-me agora que eu era o único que sabia quem era quem!...


Mas... a Lassie!?
A Lassie era uma companheira de paródias e uma caçadora. Mas era também uma dama e uma protectora. Quando nos juntávamos todos, eu e os outros "pardais", íamos à caça de gatos e essa era a tarefa dos especialistas Estácio e Lassie. Ele, por ser muito rápido, perseguia e cansava os gatos que em desespero e usando sempre a mesma táctica, acabavam por subir o tronco de um qualquer eucalipto para alcançar um ramo onde estariam seguros.

A Lassie, por sua vez, mais cerebral e mais contida, acompanhava uma parte da correria, mas mantinha a tarefa da perseguição no Estácio quase como estratégia pois quando ele encurralava o gato e ficava a ladrar por debaixo da árvore, era quando então ela se aproximava para escalar o mesmo tronco que o gato usara instantes antes...
Não o fazia com a mesma habilidade que o felino, claro, mas por tentativas que ia fazendo acabava sempre por chegar ao gato ou, desesperado e assustado, era o próprio gato que acabava por entrar em pânico e acabava por cair ou tentar um ramo menos forte e ser apanhado pelo Estácio ou - isso é que era pior! - pelo Piloto, que entretanto juntava-se ao grupo atraído pelos latidos. Quando havia Piloto, não havia um final muito feliz para os gatos...

A Nuca e a Flappy nunca tiveram filhos
Éramos miúdos e todas as brincadeiras serviam: quando era para caçarmos gatos... lá íamos!
Mas também e precisamente por sermos miúdos, facilmente invertíamos as coisas e houve uma ocasião em que tendo a Lassie parido (creio que foram 11 ou 12 crias - entre elas a Nuca e a Flappy), uma gata arqui-rival quer da Lassie, quer de todos nós, miúdos, também dera à luz e rejeitara um dos gatinhos.

Confrontado com essa situação, peguei nesse gato recém-nascido e logo abandonado, e levei-o à Lassie. Lembro-me da expressão dela... Cheirou-o como que a certificar-se de que não era dela e senti que hesitava entre um ataque fatal e algo que hoje sei reconhecer que seria "ternura". Voltou a cheirar o gatinho, mas agora com a certeza de que era algo diferente e... inocente. Aproximei o gatinho de uma teta e quando ela tentou levantar-se não o permiti. No instante seguinte, o gatinho estava a mamar com os cachorrinhos e ela estava a lambê-lo, aceitando-o!

Aquele gato foi criado pela Lassie e quando havia caçadas, aquele era ignorado e respeitado, até pelo Estácio. A Nuca e a Flappy, eram irmãs de leite.

Chegaram, entretanto, os tempos em que ia sozinho para a Escola Primária e como ia sozinho - com outros miúdos e um adulto e depois só com outros miúdos, mesmo -, estava à vontade para levar os cães comigo. O Estácio - curioso isto -, nunca vinha. Havia como que uma "barreira" invisível que o impedia de ir mais longe do que uma certa zona. Dali ele não passava. Se eu insistisse muito ele começava a olhar para trás e a ficar com um olhar triste. Começava a parar e ansiava pelo momento em que eu me despedia dele para que ele pudesse ir embora. Corria para trás e quando estava em "zona segura" parava de novo e ficava à espera de ver-me desaparecer. Mais tarde, quando eu regressasse, responderia de onde quer que estivesse ao meu assobio baixo e surgia de cauda a abanar e sorriso até às orelhas!

Amena cavaqueira em plena cidade
 Já a Lassie (primeiro era só ela e mais tarde com as filhas atrás), pelo contrário, ia comigo até ao portão da Escola e ali ficava à minha espera até eu voltar a sair. Com o passar do tempo e habituada à rotina, quando me deixavam ficar já não se deitavam à minha espera. As pessoas depois diziam-me que as viam pela cidade, ora num talho, ora noutro qualquer lugar onde sabiam que eram recompensadas. À minha hora de sair, lá estavam elas deitadas, ou a chegar ao mesmo tempo que eu saía, para me levar de volta para casa.

A Lassie foi vista pela última vez próxima de um rio zangado com a terra que o ladeava, num Inverno de cheias graves, junto de adultos que me eram chegados, e que se ocupavam de ajudar outras pessoas para que estas não perdessem os bens que a água queria levar. Assim me foi explicado o estranho desaparecimento da minha amiga. Anos mais tarde, já muito velho, o Estácio não respondeu ao meu assobio ao chegar da Escola e fiquei a saber que tinha sido envenenado por poder ser um foco de doenças... Chorei a morte dele e quis ver o local onde estava.
O cão é o melhor amigo do Homem.
E o Homem, será o melhor amigo do cão?

A Nuca e a Flappy nunca tiveram filhos.

As fotos usadas nesta publicação são de tantos outros cães de rua que podiam perfeitamente ser os verdadeiros protagonistas nesta história, porque também eles, certamente, teriam histórias ricas em sentimentos nobres e aventuras para partilhar com quem se entregasse a receber deles a fidelidade que lhes é característica.

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