domingo, 20 de junho de 2010

Saramago - Menos um Nobel vivo

Morreu José Saramago e na morte revelou-se um "novo" homem: o homem-mito.
Viveu uma vida inteira de revolta, de inconstante (desa)sossego numa busca permanente de um Deus que ele mesmo definiu como "Filho da Puta". Viveu onde e como quis, à margem de qualquer (re)conciliação social, política, religiosa ou gramatical. Escolheu Lanzarote, Fidel e parágrafos infinitos, sem vírgulas ou períodos para recuperação do fôlego. Assim se assumiu e definiu como vivo.
Agora morreu. E agora que morreu nasceu com ele um homem-mito. É o povo que sempre sedento de novos heróis e faminto de conversões de carácter quem cria e alimenta os mitos. Para eles, Saramago agora é visto como o defensor das injustiças sociais, o incompreendido e injustiçado... Para o povo Saramago nunca foi entendido nem compreendido. Para esse mesmo povo, Saramago talvez preferisse "dar-lhes" uma Cuba de Fidel em vez de uma Democracia de Sócrates mas, ainda assim, o povo acredita que era ele quem procurava a justiça social.
Efectivamente esse mesmo povo conheceu um líder comunista também já desaparecido e português, Álvaro Cunhal. Também ele se notariou pelos princípios que defendeu e afirmou como valores. Mas viveu e morreu em harmonia com as ideias que tinha.
Saramago? Escolheu Lanzarote como "pátria". Cuidou de saber viver com a "simplicidade" do dinheiro sempre presente e "escapou" como quis aos olhares indiscretos e respostas a perguntas que caíram no vazio.
A busca incessante por Deus, sempre presente no que escrevia, revela um homem sem Norte embora meticuloso e estudioso na busca de uma Luz que o orientasse. Num país Cristão, provocou a Igreja quando percebeu que a Política não alimentaria aquele espírito inquieto, antecipando ou aguçando, talvez, o interesse pelas obras que então editaria. Tal como outro herói do povo, Mourinho, preferiu uma relação de presunção e arrogância à parcimónia de ser apenas um ser talentoso mas amável e afável aos olhos dos outros.
Nasceu o homem-mito e com ele a controvérsia: o Presidente da República não marcou presença na Cerimónia Fúnebre. Estava nos Açores, em férias com a família. Justificou e assumiu que devem estar presentes os amigos, os conhecidos... o povo, mas efectivamente nunca privou com o Nobel e apenas o conhecia pelas obras. Ficou bem a Cavaco Silva afirmar publicamente essa posição e fazer a distinção entre as responsabilidades do Presidente da República e as que o obrigam enquanto homem e cidadão. Pior teria sido se ele mesmo se tem feito representar quando foi no tempo dele enquanto Primeiro Ministro que "estalou" o verniz com Saramago.
"Não há palavras, Saramago levou-as todas", foi a frase que marcou os discursos fúnebres. É mentira! Saramago deixou, inclusive, as palavras tantas vezes controversas que ele mesmo publicou, e as palavras que nos pertencem e permitem, por admiração ou por completo desdém, insurgir contra os criadores de mitos que apenas após a morte passam a opinar, conhecer e defender vidas e obras que tantas vezes foram apenas... ridículas.

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